Conheça homens e mulheres que optaram por uma vida mais simples

Conheça homens e mulheres que optaram por uma vida mais simples

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Na contramão da sociedade contemporânea, homens
e mulheres optam por uma vida mais simples. Eles garantem que são mais felizes.
Conheça as histórias:

Você pode ter passado a vida inteira, ou parte
dela, ouvindo a expressão: tempo é dinheiro. Conhecido de perto um universo em
que ter do “bom e do melhor” é sinônimo de uma vida sossegada. Também deve ter
escutado, e acreditado, que comprar roupas, sapatos e supérfluos alivia o
estresse, principalmente, das mulheres durante a tensão pré-menstrual (TPM).
Que shopping é e será um dos melhores lazeres desta vida moderna. Agora,
suponha que tudo isso virasse de cabeça para baixo. Em nome da simplicidade do
ser, homens e mulheres, de idades diferentes, chacoalharam esses velhos
conceitos cada vez mais impostos à sociedade e optaram, sem culpa e com leveza,
por uma vida simples. Acreditam que precisam de pouco para se satisfazer e
asseguram que o lucro com tudo isso não se vende nem se troca, e tem nome:
felicidade.

Não se trata de um movimento, mas um fenômeno
sem causa única e nenhuma regra. Essas pessoas estão, aos poucos, caminhando
por conta própria em busca da simplicidade, sem fazer publicidade disso. Alguns
mudaram de cidade, outros conseguiram isso morando em uma capital como Belo
Horizonte. E não estão sós. A tal simplicidade já chama a atenção do mundo, já
que grandes homens, que poderiam esbanjar mordomias, disseram “não” a elas e a
tudo que elas remetem. O ex-guerrilheiro José Mujica, atual presidente do
Uruguai, por exemplo, mora em uma casa deteriorada na periferia de Montevidéu,
sem empregado nenhum. Seu aparato de segurança: dois policiais à paisana
estacionados em uma rua de terra.

BONS EXEMPLOS

Mas não é preciso ir a Roma ou ao Uruguai para
conhecer pessoas que apostam nesse modo de vida. O Bem Viver conheceu bons
exemplos dessa vida simples. São guerreiros que nadam contra a maré em uma
sociedade que, cada vez mais, valoriza o supérfluo como a garantia para ser
feliz. “Hoje, o que predomina é o consumismo mais exacerbado, mas se há grupos
buscando essa simplicidade é um sintoma de que essa exaustão das buscas
frenéticas acaba não levando a lugar nenhum”, comenta o psicólogo, psicanalista
e doutor em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carlos
Roberto Drawin.

Certos de que há muito mais quando se tem menos,
os entrevistados para esta reportagem servem como verdadeiras lições de vida.
Maria Madalena Aguiar, de 66 anos, diz ser “feliz demais” em levar uma vida
baseada na simplicidade e acredita, por exemplo, que está mais perto de Deus.
Já Guilherme Moreira da Silva, de 56, mora em um sítio em Macacos, na Grande
BH, e garante que “ser simples” traz a ele conforto, alegria, prazer e
felicidade. A mesma sensação tem Priscila Maria Caliziorne Cruz, de 23, que ao
optar por esse estilo de vida diz ter ampliado sua consciência, ficando mais
inteira e presente na vida. “A simplicidade nos obriga a olhar para nós
mesmos”, comenta o frei Jonas Nogueira da Costa, que desde menino se encantou
pela vida de São Francisco de Assis e adotou a espiritualidade franciscana.
Para a advogada Débora Paglioni, de 23 anos, ser simples vai muito além de ter
dinheiro. “Tem a ver com bem-estar e consciência”, afirma.
 
Advogada Débora Paglioni, de 23 anos,
acredita que ser simples é uma postura
que tem a ver com bem-estar e consciência
 (Foto:
Estado de Minas)

SOMENTE O NECESSÁRIO

Carro, só ser for para locomoção. Telefone é
para se comunicar, não precisa de touch screen nem aplicativos mirabolantes.
Roupas ou sapatos novos somente quando forem de extrema necessidade, afinal,
para quê mais? Comer bem não é ir a restaurante refinado, mas aquilo que é
feito em casa. Ter uma vida simples passa por muitas dessas posturas, que não
são regras.

Mas quem decide viver com o que é necessário
nega o que hoje é tão valorizado, como a corrida disparada pelos melhores
celulares, casa, carros e as mais belas joias. E acaba consciente de que o
tempo e a energia investidos para a aquisição de coisas podem minguar as
oportunidades de conviver com o outro, de buscar a espiritualidade,
autoconhecimento e senso de comunidade. É como se essas pessoas se abrissem
mais para o mundo ao seu redor e dissessem: “Desapeguei”. Talvez por isso, elas
são serenas, sorridentes e leves, vivendo somente com o necessário, aquilo que
para elas é essencial.

Esse desapego e vontade de viver somente com o
que precisa não é algo que a humanidade conheceu hoje. O psicólogo,
psicanalista e doutor em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) Carlos Roberto Drawin destaca que esse comportamento é antigo e vem
desde antes do cristianismo. “Vem de uma sabedoria grega. Não é só no sentido
de não ter bens materiais, mas não transformá-los em uma tirania.” Ele conta
que existia uma corrente da filosofia grega, o chamado estoicismo, que mostrava
que o homem só atinge a felicidade se ele for livre, ao se livrar das
dependências dos bens materiais. “Isso foi seguido tanto por um escravo quanto pelo
imperador.”

De tanto desapegar desses bens, Guilherme
Moreira da Silva, de 56 anos, é chamado de Mazzaropi pelos amigos, em alusão ao
cineasta, ator de rádio, TV, de circo, cantor e diretor Amácio Mazzaropi, que,
mesmo rico, foi conhecido como o gênio da simplicidade. Ele marcou a história
do cinema nacional ao mostrar personagens simples e uma linguagem bem próxima
do povo. Guilherme não optou pela arte. Desde menino, sofria de bronquite e a
medicina não lhe dava esperança de cura. Por meio de uma vida que ele mesmo
chama de alternativa, conseguiu se livrar da doença, desafiando até o
diagnóstico médico.

Nascido e criado em Belo Horizonte, há 30 anos
Guilherme se mudou para São Sebastião das Águas Claras, mais conhecido como
Macacos, na Grande BH. Formado em arquitetura e especializado em paisagismo,
ele morou na Espanha por um ano. Mas foi em Macacos, em um sítio em meio à
natureza, que se encontrou. Por 15 anos, morou ali sem energia elétrica. Ele
diz até hoje não comprar roupas e só usar aquelas que seus irmãos lhe dão. “Não
atribuo grandes valores ao materialismo.

Tenho uma caminhonete porque preciso dela para
trabalhar.”
Guilherme hoje mexe com produtos naturais, vende
pães integrais e come tudo o que planta. Onde mora não há internet. “A minha bronquite
que me incomodava muito. Queria uma vida saudável. Esse modelo que adotei tem
raízes profundas em querer sobreviver e gostar da vida. Chegou o momento em que
o mais importante era a qualidade do ar que respirava, o contato com a terra e
a comida que comia.”

Em uma casa de alvenaria sem luxos nem
precariedade, Guilherme tem uma televisão, que de vez em quando é ligada. “A
vida pode ser muito mais simples. A busca por ter tudo, trocar o velho pelo
novo, traz desconforto. A sociedade nunca está satisfeita.” Para ele, a vida no
campo traz essa simplicidade, alegria, conforto e prazer.

ESFORÇO

Professor do curso de ciências sociais da
Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas), Ricardo Ferreira Ribeiro diz que
hoje as pessoas fazem um esforço danado para ter renda e, por outro lado, geram
um estresse, acúmulo de trabalho e problemas de saúde. “A opção pela vida
simples tem sido mais singela, há menos requinte, mas exige menos esforços.”
Ele lembra que os hippies chegaram a optar por esse modo de vida, como crítica
ao consumismo. “Esse modo de viver aproxima mais as pessoas, cria-se uma
empatia.”

Para o frei Jonas Nogueira da Costa, de 37,
viver com pouco se aprende ao estar perto daqueles que têm poucas condições
financeiras. De família simples e católica, ele sempre participou das
atividades da igreja de Três Rios, sua cidade natal, no interior do Rio de
Janeiro, o que despertou sua vontade de ser padre. Em 1995, entrou para a Ordem
dos Frades Menores, motivado pelo exemplo de São Francisco de Assis, que dedicou
a vida à simplicidade e aos pobres. “A proposta de simplicidade, de viver como
irmão e ter uma vida de oração são pilares que me encantaram”, diz. A
simplicidade para Jonas é entendida como partilha. “Você não pode chegar a Deus
com títulos acadêmicos, roupas e outros. Deus é simples.”

O frei conta que a principal mudança que sentiu
na sua opção devida foi no conceito de posse. “As coisas que eram da minha
família pertenciam a eles e a mim. Hoje, tenho o conceito do nosso.” Suas
posses, segundo ele, são os livros. Não se importa com roupas e compra só o
necessário. “A simplicidade tem o campo prático e político. No primeiro, é o
contato com as pessoas mais simples e afetos com as plantas e animais. No
segundo, é a denúncia do consumismo que gera frustrações.”

Ele ensina que a vida simples permite o contato
consigo mesmo. “Nos obriga a olhar para nós mesmos e ao nos depararmos com o
ser humano que somos nos libertamos das grandes tentações do consumismo.” O
grande ganho para o frei é a felicidade como comunhão, prazer nas pequenas coisas,
estar bem consigo mesmo. “Temos que fazer o que gostamos. A minha opção me faz
bem, humano e feliz.”

Para o frei, quem segue a vida baseada na
simplicidade, independentemente da religião, tem que aprender a escutar os pobres
materialmente e socialmente. “Eles são os nossos mestres. Há muita coisa que
dissemos que são fundamentais para nós, e vemos que outras pessoas conseguem
viver sem aquilo. Às vezes temos tudo e não abrimos mão de nada, e esse pobre
consegue sorrir e falar de Deus. Por trás disso, há uma sabedoria. Não há uma
receita pronta para essa vida simples. Cada um tem que fazer a própria
síntese”, aconselha.

Estilo de vidas

Existe um movimento chamado simplicidade
voluntária, que é um estilo de vida no qual os indivíduos conscientemente
escolhem minimizar a preocupação com o “quanto mais melhor”, em termos de
riqueza e consumo. Seus adeptos escolhem uma vida simples por diferentes
razões, que podem estar ligadas a espiritualidade, saúde, qualidade de vida e
do tempo passado com família e amigos, redução do estresse, preservação do meio
ambiente, justiça social ou anticonsumismo. Algumas pessoas agem
conscientemente para reduzir as suas necessidades de comprar serviços e bens,
e, por extensão, reduzir também a necessidade de vender o seu tempo. Alguns
usarão as horas a mais para ajudar os seus familiares ou a sociedade, ou sendo
voluntário em alguma atividade.

Compra consciente

Mudar os hábitos de consumo e só adquirir
produtos de que realmente precisa é uma opção de vida de quem busca ser mais
saudável

Não é preciso sair da capital ou se dedicar
integralmente ao sacerdócio para ter uma vida simples. Essa opção de vida,
apesar de a luta ser ainda maior, é bem possível na cidade grande, mesmo com as
tentações do consumo e seus exageros bem próximos. A simplicidade, muitas
vezes, está na essência da alma e em atitudes conscientes, e não é preciso
radicalismo para chegar até ela. O professor do curso de ciências sociais da
Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas) Ricardo Ferreira Ribeiro diz que
essa opção de vida pode ser uma certa crítica aos valores ligados à ostentação
e ao padrão de vida de pessoas que não conseguem abrir mão dos bens materiais.
“A gente acaba consumindo muitas coisas, para quê? Qual a finalidade desse bem
que se adquire?”, provoca.

Foram essas as perguntas que motivaram a
psicóloga Marina Paula Silva Viana, de 28 anos, a enfrentar um desafio: um ano
sem compras. De junho de 2011 até junho de 2012, ela não comprou nada de
supérfluo e criou um blog na internet relatando sua experiência durante esse
período. A página levou o nome do desafio, Um Ano sem Compras. Mineira de Belo
Horizonte, a jovem mora desde 2008 em Curitiba e achava que a proposta seria
difícil. “O mais complicado é conter o primeiro impulso.

Mas vi que isso é bem possível.” O dinheiro que
usava para comprar roupas, bolsas, calçados e cosméticos foi gasto em lazer.
“Sempre gostei dessa opção de vida, e queria fazer essa experiência. Você
percebe que tem outras prioridades na vida. Passei a fazer mais programas ao ar
livre, a aproveitar atividades intelectualizadas. Quando estamos imersos no
consumo, deixamos o que nos dá prazer em segundo plano. Passada essa
experiência, hoje compro bem menos e me foquei no que é essencial para mim.”

Como psicóloga, Marina conta que muitos
pacientes trazem para o consultório frustrações vindas do consumo. “As pessoas
estão consumindo mais. E isso acaba tendo uma função psicológica. Ela acabam
acreditando que a personalidade está ligada ao que consomem.” Formada em
teatro, produtora do curso de educação gaia em BH e estudante de letras na
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Priscila Maria Caliziorne Cruz, de
23, diz que a vida simples vem dos pilares que recebeu em casa e das suas
buscas e anseios. “São escolhas diárias. Encontrei em BH, no meio urbano, uma
alternativa mais simples para viver.”

Ela conta que o segredo dessa opção está na
consciência do que se busca. “Sabemos que ter um telefone é importante para
atender a necessidade. Mas nem sempre essa necessidade por um produto acompanha
moda e o que está no mercado.” Há 10 anos, a jovem não entra em shopping, pois,
segundo ela, é um ambiente que a incomoda, principalmente pelo objetivo
daqueles que estão ali e os tipos de relações estabelecidas. “Participo de um
encontro anual de trocas de roupas. Para a minha alimentação, participo de
redes de agricultura urbana, que são alimentos produzidos na cidade. Compramos
diretamente dos produtores, sai mais barato e não acumula tanto valores.”

A maior preocupação de Priscila é com o meio
ambiente. Ela procura ter atitudes sustentáveis, como reciclagem de lixo, usar
carona ou transporte público. “Essa opção de vida me faz sentir em harmonia
comigo mesma. Quando fiz essa escolha, é como se tivesse responsabilidade com
as pessoas ao meu redor.” Ela diz que o encontro com esse modo de vida foi
motivado por uma busca de vida saudável, da saúde do corpo e da mente. “Nunca
fiz escolhas motivada pelo financeiro.”

BENS MATERIAIS

Por mais que as quatro filhas insistam, Maria
Madalena Aguiar, de 66 anos, fica bons anos sem comprar roupas. Prefere
consertar as que tem e não se importa com a idade delas. Um vestido e um
tamanco já estão de bom tamanho. Mesmo morando na capital, a essência,
adquirida na infância, na roça e durante os três anos que morou em um convento
em São Paulo, ela mantém intacta e com orgulho. Diz já ter conhecido muitas
pessoas que ostentam bens materiais. “É de dar dó”, comenta.

Certo dia, uma de suas filhas a chamou para
sair. Ela logo pegou a bolsa de pano e disse estar pronta para acompanhá-la.

A filha sugeriu que mudasse de roupa. “Você quer
o que visto ou a minha companhia?”, respondeu Madalena. Apaixonada pelas
poesias que cria, ela conta que prefere andar de ônibus ou a pé a ir de carro.
“Temos pernas é para andar.” Compras com ela, só o essencial. O seu lazer é
mexer na terra, com as plantas e aprender com elas. “A vida simples é uma
sabedoria”, avisa. Para ela, ajudar o outro a ter um coração bom são as grandes
riquezas do ser humano.

Madalena conta a lenda que lhe serve de
inspiração. “Uma vez, um turista viajou para conhecer um grande sábio. Quando
chegou, disse a ele que queria conhecer seus móveis. O sábio, muito tranquilo,
mostrou que só tinha uma cama e uma cadeira e o convidou a entrar. O homem não
aceitou, disse estar só de passagem. O sábio respondeu: ‘Eu também’.” Para essa
senhora, a história aponta o que devemos pensar antes dos bens materiais serem
nossos donos. “Caixão não tem gaveta. Estamos aqui só de passagem.” (LE)

Viver com o essencial

Este mês, o New York Times publicou um artigo
sobre a vida de Graham Hill, que vive em um estúdio de 420 pés. Ele tem seis
camisas, 10 tigelas rasas que usa para saladas e pratos principais. Não tem um
único CD ou DVD. Era rico, tinha uma casa gigantesca e cheia de coisas –
eletrônicos , carros e eletrodomésticos. “De uma certa forma, essas coisas
acabaram me consumindo”, disse na entrevista. Em 1998, em Seattle, vendeu sua
empresa de consultoria de internet, Sitewerks, por muito dinheiro e passou a
comprar muito. Entre as compras, um Volvo preto turbinado. Mas tudo isso passou
a incomodá-lo e a ficar sem graça. E ele decidiu viver somente com o essencial.
Luciane Evans, Estado de Minas
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